Maria Eduarda foi atingida por disparos no interior de uma escola
pública. Em velório, irmã disse que mãe de vítima pensou em se matar.
Por Matheus Rodrigues, G1 Rio
Família de Maria Eduarda enterra o corpo de estudante (Foto: Matheus
Rodrigues/G1)
A adolescente
Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, morta no interior de uma escola
municipal, na quinta-feira (30), em Fazenda Botafogo, na Zona Norte do Rio, foi
enterrada neste sábado (1º), no Cemitério Parque Jardim de Mesquita, em Edson
Passos, em Mesquita, na Baixada Fluminense. O enterro foi marcado por cobranças
às autoridades pela responsabilidade no caso.
Policiais da
Delegacia de Homicídios investigam quem seriam os responsáveis pelos disparos
que atingiram a jovem. No momento em que foi baleada, Maria Eduarda participava
de uma aula de Educação Física. Um vídeo do lado de fora do colégio mostrou
dois PMs atirando contra suspeitos que estavam no chão.
O cemitério teve
a presença de muitos amigos da estudante, que foram ao cemitério com camisas em
homenagem a menina, com a frase "saudades eternas". A irmã Daniela
Alves Conceição afirmou que a mãe de Maria Eduarda pensou em se matar na
sexta-feira (31). Ela questionou ainda o posicionamento da polícia ao dizer que
a menina atingida por uma bala perdida.
"Não foi
uma bala perdida, foram três. Quatro perfurações. Que bala perdida é essa? Pelo
amor de Deus. Brasil e Rio de Janeiro, acorda. Meu Deus, isso não pode
acontecer. Que não venha mais outra criança, eu não quero ligar a televisão e
ver mais um pai ou irmã sofrendo. Minha madrasta está desesperada, meu pai
disse para mim ontem 'minha filha, não sei como vou fazer agora dentro da minha
casa'. Minha madrasta disse ontem que queria se matar. Pelo amor de Deus,
gente, façam alguma coisa", afirmou.
"Pais e
mães estão sofrendo por causa de despreparo de policiais. Se por acaso alguém
não está preparado para treinar esses policiais, que chame alguém de fora. Quem
paga é o pobre. Eu nunca vi um governador, ou filho de autoridades ficarem
nessas condições. Mas confio na justiça de Deus e estou pedindo aqui:
autoridades, tomem providências", acrescentou.
Parentes de Maria Eduarda velam o
corpo da estudante (Foto: Matheus Rodrigues/G1)
Parentes de Maria Eduarda velam o
corpo da estudante (Foto: Matheus Rodrigues/G1)
Carta
Além de
parentes, acompanharam a cerimônia professores colegas da escola e pais de
alunos. Vários tinham uma camisa com trechos da letra "Gostava tanto de
você", de Tim Maia, com a foto de Maria Eduardo. Uma mulher passou mal e
precisou de atendimento médico.
Durante o
enterro a família também distribuiu uma carta, na qual pede privacidade, mas
também punição para os culpados.
"São muitas
perguntas. De onde partiram os tiros ? O tiro parte quando ignoramos os mais
humildes. O tiro parte quando ignoramos a dor alheia e achamos que nunca
acontecerá com um de nós. O tiro parte quando o Estado não preparou a polícia.
O tiro parte quando ignoramos a dor alheia e achamos que nunca acontecerá com
um de nós. O tiro parte quando o Estado é corrupto e desvia um dinheiro que
seria empregado para melhorar segurança e educação", diz um trecho do
texto.
Amiga de Maria Eduarda se desespera
durante o enterro (Foto: Matheus Rodrigues/G1)
Ação contra estado e o município
O advogado da
família, João Tancredo, afirmou que a família irá entrar com uma ação contra o
Governo do Rio e contra o município. De acordo com ele, era de responsabilidade
da Prefeitura garantir a segurança de Maria Eduarda já que ela estava dentro da
escola. Em relação ao Governo do Rio, Joao Tancredo questionou a ação da
Polícia Militar.
"É
lamentável o que aconteceu com essa família e com essa menina. E isso,
infelizmente, é repetido nas comunidades mais pobres. No primeiro momento,
temos uma medida judicial para fazer contra o estado do Rio de Janeiro e contra
o município. Iremos entrar com uma ação de reparação de danos, visando um
tratamento psicológico da família. É necessário e urgente. Também queremos
abordar a questão de danos morais. Podem perguntar 'por que tão rápido?',
porque não podemos abrir mão de nenhum direito. A sociedade, o tempo inteiro,
está abrindo mão de direitos. Essas comunidades não tem direitos, é hora de
fazer valer o direito cidadão", disse Tancredo.
Amiga de Maria Eduarda passa mal
durante o enterro (Foto: Matheus Rodrigues/G1)
Laudo fala em vários ferimentos
Na sexta-feira,
a família de Maria Eduarda já tinha dito que a morte da jovem pode ter sido uma
execução pois, segundo o irmão que fez o reconhecimento do corpo, havia quatro
marcas de perfurações. Posteriormente o G1 teve acesso ao laudo preliminar do corpo
de Maria Eduarda, que confirmava várias perfurações.
De acordo com o
Corpo de Bombeiros, quando a ambulância chegou ao local, a menina já estava
morta. Maria Eduarda fazia aula de educação física quando foi baleada.
Irmão de Maria
Eduarda, Uidison disse que ajudou a socorrer a irmã e viu que a adolescente
tinha sido atingida por três tiros, mas que o corpo tinha quatro disparos.
Segundo o irmão, Maria Eduarda tinha duas marcas tiros na cabeça, sendo que só
um a perfurou, e uma marca tiro na nádega. “Isso não é bala perdida”, indagou
Uidison.
Um casaco da
irmã exibido por ele mostrava uma perfuração. Segundo ele, o acessório estava
amarrado na cintura. Além do tiro na nádega, ela teria sido baleada duas vezes
na cabeça.
Maria Eduarda morreu baleada em
colégio (Foto: Reprodução/TV Globo)
'Aquele lá de cima vai cobrar de quem fez isso'
"De mim,
saiu um pedaço. Saiu um pedaço precioso da minha vida. Sumiu, acabou. Mas
aquele lá de cima vai cobrar de quem fez isso", disse o pai de Maria
Eduarda, o pedreiro Antônio Alfredo da Conceição, de 63 anos.
Amigos e
funcionários da escola também estiveram no local. Diretor da Escola Municipal
Daniel Piza, Luiz Menezes, onde Maria Eduardo foi alvejada, afirmou que não
havia operação policial no local até os tiros que mataram a jovem - a PM informou
que uma equipe trocou tiros com suspeitos na região quando estava atrás de
ladrões de carro. Um vídeo mostra PMs executando dois homens aparentemente
baleados na região. Eles foram presos nesta sexta.
"Vai ser
uma semana que primeiramente vamos nos reunir para celebrar a vida da Maria
Eduarda, celebrar a vida desses jovens que a gente cuida com tanto afinco, com
tanto carinho. A gente está naquela comunidade, porque a gente acredita que dá
para fazer um trabalho sério e que dê uma perspectiva melhor para aquela
garotada. Com a Maria Eduarda tinha [essa perspectiva]. Era uma menina até
rebelde, que se transformou. A educação, o esporte, estavam transformando essa
menina em uma pessoa cada vez melhor", disse o diretor da Escola Municipal
Daniel Piza, Luiz Menezes.
Laudo preliminar
Um laudo
preliminar obtido pelo G1 aponta que a estudante Maria Eduarda, morta em uma
escola no Rio de Janeiro na quinta-feira (30), foi vítima de "ferimentos
transfixiantes do encéfalo" causados por "projéteis de arma de fogo".
A família da
estudante de um colégio de Fazenda Botafogo, na Zona Norte do Rio nega que ela
tenha sido atingida por uma bala perdida, como diz a PM, e diz que o corpo
tinha quatro perfurações. O atestado definitivo ainda será produzido pelo
Instituto Médico Legal (IML).
O perito
criminal Décio Nepomuceno, integrante da Associação de Peritos do Rio de
Janeiro (Aperj), afirma que a declaração de óbito não é suficiente para dizer
se ela foi atingida por mais de um tiro.
"Nesse caso
específico pode ter sido mais de um que transfixou ou apenas um que tenha
estilhaçado. Além disso, não tem como saber se foi um projetil íntegro ou algum
que se fragmentou. Não posso dizer, apenas como essas informações, se houve a
entrada do fragmento ou do núcleo do projetil. A priori, por causa da forma
como está escrito e do uso da língua portuguesa, sugere que levou mais de um
tiro, mas não podemos falar nada apenas com essas informações”, afirmou.
Porta-voz da
Polícia Militar, o major Ivan Blaz disse que não comentaria as acusações da
família no início da manhã. A assessoria de imprensa da corporação anunciou que
se pronunciaria quando tivesse mais informações.
Família da adolescente Maria Eduarda
acusa a polícia pela morte da menina.
PMs presos
No mesmo local
em que Maria Eduarda morreu, o cabo Fábio de Barros Dias e o sargento David
Gomes Centeno, ambos lotados no 41º BPM (Irajá) foram flagrados em um vídeo
atirando em dois homens já caídos no chão. Os dois PMs estão presos
preventivamente. Estão autuados em homicídio qualificado.
Em seu
depoimento, o cabo Fábio disse que ele e o sargento patrulhavam a pé as ruas do
Morro da Pedreira, em Costa Barros. Quando dobraram a esquina da rua onde fica
a escola, viram dois suspeitos caídos no chão.
Ao lado de um
deles, o cabo Fábio disse que havia um fuzil. Nesse momento, ele afirmou ter
feito sinal com as mãos pra alertar crianças que estavam num prédio próximo,
pra que elas entrassem e não fossem atingidas.
O cabo disse
então ter recolhido o fuzil do chão, se aproximado do suspeito e ter dito:
“Perdeu!”. O peême disse que o suspeito fez um movimento brusco e que ele tinha
também uma pistola.
Diante da
ameaça, ele gritou para alertar o sargento David e atirou uma vez contra o
homem caído no chão. Nas imagens, é possível ver que o primeiro suspeito a ser
morto, Julio Cesar Ferreira de Jesus, levanta um pouco a cabeça. Logo depois,
dá pra ouvir o som de dois disparos contra ele, e não um como disse o cabo
Fábio no depoimento.
O sargento David
Gomes Centeno disse que o cabo Fábio atirou uma vez contra Julio Cesar e que
depois, foi até o segundo suspeito - identificado como Alexandre dos Santos
Albuquerque – “com cautela” e disse que viu que ele tinha uma pistola. O
sargento disse ter ficado receoso e “para se proteger”, atirou contra o homem
no chão.
Em audiência
nesta sexta-feira (31), o juiz Marcelo de Sá Batista colocou os dois PMs em
prisão preventiva. Em seu despacho, o magistrado explica que há testemunhas a
serem ouvidas e é preciso preservar a integridade delas: "Entende o juízo,
que as condutas em tese praticadas são de extrema gravidade e exteriorizam um
comportamento, que demonstra haver efetivo risco à coletividade com a
reinserção dos custodiados ao convívio social, bem como as fileiras da
corporação", informa o juiz em sua decisão.
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